Série 1: Quando a Bíblia se Torna Apenas um Manual - Capítulo 3

Por: Pastor Flávio Macieira

Capítulo 3

Quando a Bíblia se Torna Apenas um Manual

Existe uma doença ocupacional que aflige o pastor, um mal sutil que corrói a alma a partir de sua fonte primária de alimento. Ela se instala sorrateiramente, sem alarde, até que um dia percebemos uma verdade terrível: a Palavra de Deus, o pão vivo que desceu do céu, se tornou em nossas mãos um mero manual de instruções, um livro-texto para o nosso ofício. Deixamos de nos aproximar da Sarça Ardente para sermos aquecidos e passamos a visitá-la apenas para coletar amostras botânicas para a lição do próximo domingo.

Este é o momento de profunda inquietação. A confissão é dolorosa: abrimos as Escrituras mais como garimpeiros do que como filhos famintos. Nossos olhos escaneiam o texto em busca de três pontos para um sermão, uma ilustração impactante ou a solução para uma questão de aconselhamento. Analisamos a estrutura, investigamos o grego, consultamos os comentários, e em todo esse trabalho diligente e necessário, a voz do Pai que fala ao nosso próprio coração se torna um ruído de fundo. O ato que deveria ser o mais íntimo de nossa caminhada – ouvir Deus falar – se transforma em preparação profissional.

Imagine receber uma carta de amor da pessoa que você mais ama. No início, cada palavra é absorvida, cada frase é sentida, a caligrafia é apreciada. A carta é um tesouro que fala diretamente à sua alma. Agora, imagine que sua profissão se torna analisar essa e outras cartas, dissecando sua gramática, sua estrutura sintática, sua escolha de palavras, para ensinar outros sobre como escrever. Com o tempo, você corre o risco de pegar aquela mesma carta de amor e, em vez de sentir o coração do remetente, ver apenas um documento de trabalho. Você se torna um especialista no texto, mas se esquece da pessoa por trás dele. É exatamente isso que acontece quando a Bíblia se torna apenas um manual para nós.

Esta não é uma acusação, mas um diagnóstico compartilhado. O próprio Jesus confrontou os especialistas de sua época com esta verdade inquietante: "Vocês estudam cuidadosamente as Escrituras, porque pensam que nelas vocês têm a vida eterna. E são as Escrituras que testemunham a meu respeito; contudo, vocês se recusam a vir a mim para ter vida" (João 5:39-40). Eles eram mestres do manual, mas não conheciam o Autor. A vida não estava no estudo do texto em si, mas no encontro com a Pessoa a quem o texto aponta.

A cura começa com um pequeno ato de rebeldia contra a nossa própria mentalidade profissional. O convite para hoje é este: separe cinco minutos. Escolha um Salmo – talvez o 23, o 42 ou o 139. Agora, faça uma promessa a si mesmo e a Deus: você lerá este texto sem nenhuma intenção de pregá-lo, ensiná-lo ou usá-lo de qualquer forma ministerial. Sua única tarefa é ler como um filho, ouvir como um necessitado. Leia até que uma palavra ou frase salte da página e fale diretamente à sua condição atual. Deixe essa palavra assentar em sua alma. Este pequeno exercício não é sobre abandonar a exegese rigorosa, mas sobre resgatar a devoção sincera. É o primeiro passo para transformar o manual de volta em uma carta de amor.