QUANDO O CÉU SE CALA

Por: Pastor Flávio Macieira - 2025 | Salmo 10 na série "O CANCIONEIRO DA ALMA"

Imagine uma conversa acontecendo dentro de você. De um lado, a voz da Realidade, pragmática e um pouco cínica. Do outro, a voz da Fé, que insiste em confiar.

Realidade: "Olhe ao seu redor. Ligue o noticiário. O perverso prospera. O arrogante zomba e diz 'nada me abalará'. Ele arma ciladas para o inocente, e parece que nada acontece. Onde está o seu Deus nisso tudo?" Fé: "Ele está vendo..." Realidade: "Vendo? Ele parece distante, escondido. Enquanto o aflito sofre, Ele fica em silêncio. Parece que Ele se esqueceu, que virou o rosto. Como você pode confiar em um Deus que fica calado diante de tanta injustiça?"

Sejamos honestos: todos nós já tivemos essa conversa em nossa alma. O Salmo 10 é a transcrição dessa angústia. É a oração de quem olha para o mundo e o silêncio do céu parece ensurdecedor. É um dos textos mais corajosos da Bíblia, porque ousa fazer a Deus a pergunta que queima em nosso peito quando a maldade parece vencer.

O salmista não adoça a realidade. Ele a descreve com uma precisão dolorosa antes de clamar:

“Por que, Senhor, ficas tão longe? Por que te escondes em tempos de aflição? Em sua arrogância, o perverso persegue o pobre; seja ele apanhado em suas próprias ciladas. (...) Em seu orgulho, o perverso não te busca; em todos os seus planos, não há lugar para ti. (...) Levanta-te, Senhor! Ergue tua mão, ó Deus! Não te esqueças dos necessitados! Tu, porém, observas a aflição e o sofrimento; olha para eles e toma-os em tuas mãos. A vítima se entrega a ti; tu és o auxílio do órfão.” Salmo 10:1-2, 4, 12, 14 (NVT)

Eu confesso que a honestidade deste Salmo me conforta e me assusta. Conforta, porque me dá permissão para questionar, para gritar meu "Por quê?". Assusta, porque descreve com perfeição a aparente indiferença de Deus que, às vezes, sentimos. O salmista pinta o retrato do ímpio: autossuficiente, próspero e ateu na prática ("não há lugar para ti"). E, diante desse quadro, ele não oferece uma resposta teológica pronta. Ele clama. "Levanta-te, Senhor!". É a oração de quem se recusa a aceitar o silêncio como resposta final.

E é no meio do seu clamor que a virada da fé acontece. "Tu, porém, observas...". Que declaração poderosa! Mesmo quando parece que Deus está escondido, a fé se agarra à verdade de que Seus olhos estão atentos. Ele não é um espectador passivo; Ele é o "auxílio do órfão", o defensor da vítima. A fé não nega a realidade da dor, mas se recusa a dar à dor a última palavra. Ela aposta na memória e no caráter de Deus, mesmo quando os sentimentos e as circunstâncias gritam o contrário.

Este Salmo nos ensina que a fé madura não é aquela que nunca duvida, mas aquela que leva suas dúvidas a Deus em oração. É a que ousa confrontar o silêncio com um clamor, e que encontra descanso não em respostas fáceis, mas na certeza do caráter do Juiz.

Que tal levarmos a nossa frustração ao tribunal de Deus?

Identifique uma situação de injustiça (pessoal ou no mundo) que tem feito você questionar o silêncio de Deus. Em vez de guardar essa angústia, escreva uma oração começando com as palavras do salmista: "Por que, Senhor...?". Descreva a situação honestamente. Em seguida, termine sua oração com a declaração de fé do versículo 14: "Tu, porém, observas. Eu entrego esta vítima a Ti, pois Tu és o auxílio dos necessitados".

Para que a nossa fé sobreviva aos tempos de silêncio, vamos refletir juntos:

• Você já se sentiu como o salmista, perguntando por que Deus parece distante? Como você lidou com esse sentimento?

• O que a descrição do "perverso" no Salmo 10 nos ensina sobre os perigos da autossuficiência?

• Como podemos cultivar uma fé que confia que Deus "observa", mesmo quando não vemos Sua ação imediata?

Vamos clamar ao Deus que observa.

Senhor, há momentos em que o Teu silêncio é ensurdecedor. Eu olho para a injustiça e pergunto: "Onde estás?". Perdoa a minha impaciência e a minha pequena fé. Hoje, eu escolho clamar como o salmista: Levanta-Te, Senhor! Não Te esqueças dos necessitados. E mesmo enquanto eu clamo, eu declaro pela fé: Tu observas. Tu vês. Tu tomas a causa do aflito em Tuas mãos. Eu descanso nessa verdade. Em nome de Jesus. Amém.

A fé não é a ausência de perguntas, mas a recusa em parar de perguntar ao Deus certo.

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